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sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Singularidade do atendimento odontológico a pacientes portadores de Síndrome de Autismo















Elaine Gomes dos Reis Alves*


Diminuir as dificuldades nos atendimentos odontológicos de pacientes portadores de Síndrome de Autismo e a frustrante necessidade de encaminhamentos para tratamento em ambiente hospitalar, sob anestesia geral, exige parceria entre CDs, pediatras, neuropediatras e outros profissionais de saúde.

Quando a família recebe o diagnóstico de autismo infantil, automaticamente é orientada às terapias necessárias para o melhor desenvolvimento social e cognitivo da criança. Infelizmente, não se sugere visita ao dentista e a última preocupação da família será o dente. Com tantas atividades e angústias, esquecem da dentição decídua, já que ela "cai" e, na permanente, só se lembram quando "dói". Daí, o fato destes pacientes virem para o atendimento odontológico na faixa dos 7-14 anos e a maioria não aceita o tratamento.



A melhor compreensão da síndrome pelos CDs possibilita o tratamento em consultórios e serviço público, ao menos, para a maior parte dos pacientes.



A síndrome de autismo foi descrita pela primeira vez em 1943, por Léo Kanner e atualmente, a definição de autismo aceita pelo CENTER OF DISEASE CONTROL & PREVENTION (CDC) é: "uma falta de adaptação no desenvolvimento que se manifesta de uma maneira grave, durante toda a vida. É incapacitante e aparece nos três primeiros anos de vida", elaborada pelo The National Society for Autistic Children, em 1998.



Com expectativa de vida normal e etiologia desconhecida pode ser confundida com outras patologias. Acomete principalmente meninos (1 menina para cada 4 meninos) e costuma ser mais grave em meninas. Em 1997 estimava-se a prevalência de 1:500 nascimentos.



O autismo pode ocorrer isoladamente; associado a condições genéticas (acidose lática, albinismo oculocutâneo, alterações das purinas, amaurose de leber, deficiências auditivas, distrofia progressiva de duchene, esclerose tuberosa, fenilcetonúria, síndromes como: moebius, cornélia Lange, down, fetal alcoólica, goldenhar, laurence-moon-biedl, noonan, rett, X-frágil, Willian etc); ou patologias pré-natais (caxumba, citomegalovírus, herpes, rubéola, toxoplasmose, sífilis e varicela).



O retardo mental acontece em 80% dos casos. Em 20% ocorre o Autismo de Alto Desempenho. Neste caso, podem aprender a ler muito cedo, embora, a maioria não fale até por volta de 4 anos. Com interesse e conhecimento geralmente restritos a um tema, são considerados inteligentes com comportamento esquisito e facilmente rotulados como "gênios". Podem ter vida independente e são solitários.



Todo CD está tecnicamente apto a atender este paciente e, frente a ele, tem obrigação de buscar informações. A diferença está na dedicação, interesse, carinho e, acima de tudo "vontade". É necessário, desejável, possível e fácil falar sobre a deficiência, difícil é "olhar para", o que nos obriga enfrentar a diferença, nossa dificuldade e nosso preconceito. Estar solidário significa estar junto na dimensão do sofrimento do outro na busca de saídas e superações, permitindo crescimento "com-partilhado" do paciente, família e profissional.



Autistas não compreendem emoções; não entendem sutilezas, linguagem corporal, segundas intenções, ironias, paixões e tristezas. Conhecem emoções fortes e universais. A principal é o "medo". Dificilmente fazem vínculos com pessoas e são ligados aos objetos e espaços onde vivem. A aprendizagem do comportamento social se dá por treinamento, que deve começar o mais cedo possível.



Apresentam problemas periodontais e índice reduzido de cáries. Sua necessidade mais urgente é orientação de higiene e alimentação, raspagem e cirurgia periodontal. Há hipótese de que crianças autistas não têm cáries.



É comum encontrar comportamento autodestrutivo (SIB - Self-injurious behavior) e, alterações em sua rotina diária podem aumentar a auto-agressão. A hipersensibilidade transforma contatos físicos e determinados sons em tortura. Perfume forte também pode incomodar. A visão periférica é mais desenvolvida e permite maior atenção a movimentos laterais. O ambiente tranqüilo facilita as consultas. Mudar móveis de lugar pode desencadear crises.



Considerando que esses indivíduos têm forte ligação com objetos e rotinas, é importante que o paciente seja atendido sempre pelo mesmo profissional, no mesmo consultório, com rotina preestabelecida. Só devem ocorrer mudanças absolutamente necessárias.



Justamente por chegarem ao consultório entre 7-14 anos, não aceitam intervenções odontológicas que, além da proximidade e contato direto, são invasivas, causam desconforto e dor (ampliados nestes pacientes) o que explica o elevado índice de encaminhamentos para anestesia geral.



Enfatizo a importância de trabalho específico em Odontologia para Bebês Portadores de Necessidades Especiais, objetivando o encaminhamento precoce deste paciente ao dentista, que deve acontecer junto com a orientação a outras terapias. Treinado desde cedo, é possível que a maioria se acostume e aceite tratamento odontológico, evitando tanta necessidade de sedação e também, que lesões menores evoluam para tratamentos complexos e mutilantes.



O quadro muda com a adolescência. Não há adulto autista e sim, "portador de seqüela de autismo" (retardo mental severo). Aproximadamente, 70% necessitarão de alguma assistência multidisciplinar.



Para o diagnóstico da síndrome do Autismo são necessários, no mínimo, 8 dos 16 itens abaixo; sendo que nestes 8 itens deve-se incluir ao menos 2 do grupo A, 1 do grupo B e 1 do grupo C.



Grupo A - Falta de alerta da existência ou sentimentos dos outros; em sofrimento, ausência ou busca de conforto anormal; imitação ausente ou comprometida; jogo social anormal ou ausente; incapacidade para fazer amizade com seus pares.



Grupo B - Comunicação não-verbal anormal (olhar fixo olho-no-olho, expressão facial, postura corporal); ausência de atividade imaginativa; falta de interesse em histórias; anormalidades de discurso (volume, entonação etc.); anormalidades na forma ou conteúdo do discurso (uso estereotipado e repetitivo da fala; "você" no lugar de "eu"); incapacidade para iniciar ou sustentar conversação com os outros, apesar da fala adequada.



Grupo C - Movimentos corporais estereotipados (pancadinhas com as mãos ou rotação, batimentos da cabeça); insistente preocupação com parte de objetos ou vinculação com objetos inusitados; sofrimento com mudanças no ambiente (vaso retirado da posição usual); insistência em seguir rotinas com detalhes precisos (exatamente sempre o mesmo caminho para as compras); âmbito de interesses restritos e limitados (enfileirar objetos).



Assim, a Odontologia precisa criar campanha preventiva em parceria com pediatras, neurologistas e terapeutas de áreas afins. O CD deve se conscientizar que pertence à equipe transdisciplinar e tem papel importante nela. A saúde bucal do paciente fora de condições adequadas pode prejudicar outros tratamentos (ex: dietas e outros tratamentos quando a causa é "dor de dente").



O respeito ao paciente e à sua família é essencial. O profissional deve se abster de julgamentos. Cada família tem seus desejos e emoções, além de sua própria história que deve ser relevada. Apesar das características comuns do autismo, não podemos esquecer que cada indivíduo é único e é preciso considerar, nas intervenções, as diferenças quanto ao grau de severidade da síndrome, idade, habilidades específicas, ambiente familiar, escolar e sócio-cultural onde o indivíduo está inserido (estímulos).



O CD necessita compreender que o próximo paciente poderá ser completamente diferente de tudo o que ele já viu. Por isso, observadas as características principais, cada paciente será sempre uma surpresa e se o CD estiver aberto para essa realidade, sua atuação será cada vez mais enriquecedora e sua base teórica e prática, mais sólida e mais abrangente, capaz de, compreendendo a individualidade, orientar, tratar, cuidar, acolher...





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*Elaine Gomes dos Reis Alves – Psicóloga do Centro de Atendimento a Pacientes Especiais - CAPE-FOUSP; mestre em Odontologia pela FOUSP; doutoranda pelo IPUSP; membro do Comitê de Ética em Pesquisa da FOUSP; autora do livro "Profissionais de Saúde: Vivendo e convivendo com HIV/aids", Ed. Santos; professora colaboradora da FOUSP e professora da UNIP/SP – Disciplina Psicologia e Odontologia E-mail: egralves@usp.br



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